Fonte: Agência Brasil - EBC
setembro 2024
/
POR: Marcelo Celestino

O necessário reajuste da tabela SUS

Marcelo Celestino

A nova Ordem Constitucional, implantada pela Constituição Federal em 05 de agosto de 1988, trouxe a previsão de que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (art. 196). Para assegurar o cumprimento dessa vontade, determinou que “as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único” (art. 198). Com esse dispositivo, o legislador ordinário concebeu o nosso SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS), que veio à luz através da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 que em pouco tempo de vida, passou a ser considerado um dos maiores sistemas de saúde pública do mundo. Esse reconhecimento é devido a adoção de rígidos princípios fundamentais, que esteiam esse sistema através da universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; da preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral; da igualdade da assistência à saúde; da utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades; participação da comunidade; e da descentralização político-administrativa.

A Carta Magna ditou que “são de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado” (Art. 197). Nota-se que a Constituição trouxe a previsão do socorro ao Poder Público de serviços de terceiros para a composição do Sistema único de Saúde, ou seja, das entidades credenciadas ao SUS, para a prestação dos serviços públicos de saúde, mediante remuneração através de tabela pública de procedimentos. O SUS, dessa forma, mostra sua eficiência, mas, por outro lado, revela a sua injustiça, a omissão conveniente de atualização monetária de sua tabela de remuneração devida aos prestadores de serviços ao SUS.

Essa política incoerente do Governo Federal de não atualizar a tabela SUS, está causando um desequilíbrio nefasto para essa relação contratual, que em diversos casos, revela que o custo real dos procedimentos é até dez vezes maior do que o previsto nessa tabela de procedimentos do SUS. A falta de atualização monetária dessa tabela, resulta na inversão dos valores fundantes do SUS, ou seja, os prestadores que deveriam apenas complementar o dever de prestação de saúde pelo Estado, na verdade, estão financiando o sistema público de saúde. Esse cenário está condenando de morte muitas instituições, resultando no fechamento, no último decênio, de milhares de hospitais, consequentemente, de imprescindíveis leitos de atendimento aos pacientes do SUS. A continuidade dessa política econômica, será o aniquilamento de nosso Sistema Único de Saúde, com o fechamento de muitas entidades privadas de saúde e descredenciamento de outras tantas.

Em razão dessa situação de insustentabilidade, o Poder Judiciário está sendo acionado para garantir o imprescindível e justo equilíbrio econômico-financeiro dessa complementariedade de serviços públicos. Os argumentos apresentados são inquestionáveis e por isso a Justiça vem julgando procedentes os pedidos de reajuste da tabela SUS, determinando à União que adote critérios e valores justos de remuneração, de forma a garantir a efetividades dos princípios constitucionais de qualidade da saúde pública, dessa forma, recompondo o exigido do equilíbrio econômico e financeiro dos contratos. Assim têm decidido os nossos tribunais:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. REAJUSTE TABELAS SUS. ÍNDICE DE 9,56%. LIQUIDAÇÃO PRÉVIA. DESNECESSIDADE. LIMITAÇÃO TEMPORAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. TAXA REFERENCIAL. NÃO APLICAÇÃO. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. CITAÇÃO NA AÇÃO COLETIVA. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Desnecessária a liquidação prévia, quando solução depender de simples cálculo aritmético. 2. No tocante ao termo final da execução, o entendimento adotado por esta Turma, atualmente, é no sentido de que o pagamento do reajuste das tabelas do SUS, determinado pela Ação Civil Pública nº 1999.71.00.021045-6, deve obedecer o limite temporal de novembro de 1999, em vista de expressa disposição do título executivo. 3. Em face do reconhecimento da inconstitucionalidade parcial da Lei nº 11.960/2009, bem como em razão do teor da decisão emanada pelo STJ em recurso representativo da controvérsia, afasta-se a aplicação da TR para fins de correção monetária. 4. Nos casos de cumprimento individual de sentença proferida em ação coletiva, o termo inicial dos juros de mora é fixado a partir da citação do réu no processo de conhecimento, quando se tratar de débito declarado genericamente na ação judicial originária do título executivo.

(TRF-4 – AG: 50320098220174040000 5032009-82.2017.4.04.0000, Relator: GABRIELA PIETSCH SERAFIN, Data de Julgamento: 26/09/2017, TERCEIRA TURMA).

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. EXISTÊNCIA. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. ENUNCIADOS 5 E 7/STJ. INCIDÊNCIA. DECISÃO MANTIDA. 1. Na hipótese, a Corte de origem negou provimento à apelação aos seguintes fundamentos, in verbis: “No que concerne as razões de recurso da União esta não apresenta dados concretos, capazes de afastar as alegações da parte autora acerca da defasagem de preços ? pagos , e gastos com os – serviços prestados ?, apenas reitera argumentos já abordados na contestação, de que houve, nos anos entre” 2007 e – 2014, a implementação de reajustes em ‘alguns procedimentos constantes da ,Tabela do, SUS, bem Como de políticas visando a mudanças no modelo de ‘financiamento e à indução de novas formas de pagamentos de gestores a prestadores, incluindo medidas de incentivos financeiros, motivo pelo qual estaria desqualificada a omissão da Administração Pública no acompanhamento de tais valores e desconfigurada a possibilidade de intervenção do Judiciário na causa ” (fl. 975, e-STJ). 2. Desse modo, verifica-se que a análise do pleito recursal que busca inverter tal conclusão, no sentido de retificar a decisão recorrida, demanda novo exame do acervo fáticoprobatório constante dos autos, além de implicar análise de cláusulas editalícias do referido contrato, providência inviável em Recurso Especial, conforme os óbices previstos nos Enunciados 5 e 7 da Súmula do STJ, que assim dispõem: “A simples interpretação de cláusula contratual não enseja recurso especial.” e “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”. No mesmo sentido: AgInt no AREsp 1.084.655/RJ, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 17/8/2017, DJe 25/8/2017 e REsp 1.654.997/DF, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 15/8/2017, DJe 14/9/2017. 3.
Assim, para aferir se os valores cobrados a título de ressarcimento, previstos na Tabela TUNEP, superam ou não os que são efetivamente praticados pelas operadoras de plano de saúde, é necessário reexaminar os aspectos fáticos, o que é vedado no Recurso Especial, em razão do óbice da Súmula 7/STJ. Precedentes. 4. Agravo Interno não provido.

(STJ – AgInt no AREsp: 1696836 DF 2020/0100862-8, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 16/11/2020, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/11/2020)

Os escritórios de advocacia têm ajuizadas ações questionando essa defasagem e buscando a reparação do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, como forma de preservar o SUS, uma vez que o Poder Público não tem condições de prestar todos os serviços diretamente, nem mesmo isso lhe poderia ser exigido, uma vez que a eficiência dos serviços públicos, princípio constitucional (art. 37), exige a
adoção do Estado Mínimo, prestigiando a sociedade na execução das atividades econômicas. Hoje, os serviços públicos de saúde na sua maioria, aproximadamente 60%, são ofertados para a população pelos prestadores privados credenciados ao SUS. A correção da tabela SUS é medida imperativa para melhoria da qualidade dos serviços de saúde ofertados pelo SUS, através de sua rede credenciada.